quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A solidão conectada dos nossos dias

As sociabilidades em rede têm uma representação muito grande na projeção do individuo. É importante traçar um perfil daquilo que se define como ‘rede social’ para entender como a evolução das redes na internet tem características distintas das ‘redes de movimentos sociais’. Para tanto, trago a definição clássica da socióloga Scherer-Warren, onde uma ‘rede’ se compõe de princípios que permitem a comunicação, articulação e intercâmbio entre os atores sociais. Isso significa dizer que uma ‘rede’ é fundamental para se estabelecer relações sociais, sejam elas de caráter afetivo ou profissional. 

 A ‘rede’ significa integrar a diversidade, se alimenta das práticas cotidianas para reforçar padrões ou determinar comportamentos. Essa ‘rede’, em sua essência, não nasce nas relações dentro do ambiente da cibercultura, mas, há uma projeção dessas redes com características bem específicas que contribuem para a disseminação de comportamentos narcísicos, potencializar as relações de consumo e reforça uma solidão conectada. Manuel Castells, também destaca o conceito de ‘rede social virtual’ como interpessoal, em sua maioria baseada em laços fracos (diversificados ou especializados) e são capazes de gerar reciprocidade e apoio através da dinâmica de interação sustentada. O indivíduo nas sociabilidades em rede, geralmente, reflete uma projeção de si e dos outros. 

Isso, essencialmente, pode acarretar uma série de comportamentos que proporcionam a construção das relações sociais em torno de interesses comuns, deixando de lado comportamento de uma vida pública. Mas esta forma de sociabilidade tão contemporânea que é a mediada por computador ela aproxima ou isola as pessoas? Na verdade, as sociabilidades em rede ampliam e permitem a criação de laços com desconhecidos e possibilita comunicação e visibilidades mais rápidas, sem a necessidade de intermediação para que isso aconteça. A possibilidade de ‘ver’ e ter ‘visibilidade’ pelas redes sociais amplia significativamente comportamentos de diferenciação social e de referência do indivíduo. É na cultura urbana onde estão centradas as sociabilidades em rede. Mais de que elementos alternativos de comunicabilidades estão se tornando uma extensão de práticas do cotidiano que refletem uma realidade marcada por laços fracos e especializados. A comunicação mediada pelas TIC’s está promovendo uma efetiva mudança nas relações sociais, na medida em que, o espaço público é reconfigurado em torno dos interesses individuais. A construção da identidade no ciberespaço ocupa um lugar de destaque na cultura contemporânea. 

Não basta apenas ter um perfil na internet, mas percebe-se que se corrompem as fronteiras entre o real e o virtual, o eu e o múltiplo. As mudanças comportamentais sugerem porque o computador, o smartphone, o tablet, muito mais do que máquinas utilitárias, se transformaram em máquinas intimistas. A identidade na internet, em certa medida, liberta o sujeito de pressões socais e padrões estabelecidos. No ambiente livre da internet é possível dizer a verdade, omitir a verdade ou criar um simulacro de si mesmo seja para aceitação grupal, seja para potencializar uma imagem de si mesmo. É nesse contexto que as manifestações narcísicas e as práticas de consumo simbólico se constroem. Dessa forma, é necessário está cada vez mais presente na internet. Sejam nas paginas pessoais em redes sociais ou blogs, espécies de diários eletrônicos onde as informações mais íntimas, mais analíticas ou mais desnecessárias são constantemente acessadas. 

Mas, quais são os efeitos das sociabilidades em rede na relação com outras pessoas? A socióloga Sherry Turkle responde dizendo que o individuo contemporâneo está aprendendo a ver-se como ‘tecno-corpos’, ou seja, sempre ligado ao ciberespaço, há um desinteresse nos locais que costumava reunir pessoas como praças, associações e sedes de sindicatos. “Muitas pessoas passam o dia sozinhas, diante do ecrã de uma televisão ou de um computador. Ao mesmo tempo, como seres sociais que somos estamos tentando tribalizar-nos”. Ao se conectar com pessoas através de fóruns de discussão, redes sociais, correio eletrônico e outras possibilidades de comunicação imediata que são oferecidas pela internet com pessoas de várias partes do mundo, o enraizamento e a importância de determinado local se atenua. Dessa forma, as sociabilidades em rede adicionam o elemento da cultura do computador na percepção da identidade como multiplicidade. 

Assim, há espaço para que o indivíduo possa construir uma imagem de si mesmo alternando com personalidades diferentes. A capacidade de adquirir várias identidades on line ocasiona mudanças significativas na tentativa do indivíduo de compreender a si próprio. Nesse caminho a solidão conectada se constrói. O escritor Mia Couto traduz de forma significativa os dias atuais “Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão. Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitamos tão pouco (...) É verdade que as novas tecnologias não costuram os buracos da nossa roupa interior, mas elas ajudam a alterar as redes sociais em que nos fabricamos.” É pra pensar....