quarta-feira, 6 de abril de 2016

A agonia de Eros e a cultura digital

Amore sulla Bilancia (Amor Sapientiae):
tarsia lignea del coro della Basilica di Santa Maria
 Maggiore in Bergamo
Uma das maiores preciosidades que os gregos deixaram para a humanidade temos, sem dúvida, a sua mitologia. Milhares de anos depois, seus mitos são sempre revisitados, reinterpretados e atualizados. Narciso e Eros são frequentemente evocados para explicar fenômenos que vão da psicologia a comportamentos da sociedade de consumo.
São dois referenciais de beleza e amor, muitas vezes destrutivos. Mas em Eros há algo que envolve mistérios que serviram de base para o desenvolvimento social do erotismo. Estou lendo o filósofo sul coreano Byung-Chul Han, que vem chamando a atenção dos estudiosos da cultura contemporânea para o que ele chama de “a agonia de Eros”.
Em pleno início do século XXI vivemos a sociedade dos excessos, da exposição sem mistério, do apelo escancarado que não dá espaço para a imaginação. Tudo se transforma em objeto de consumo. O narcisismo, por exemplo, não é amor próprio. O narcisista não pode fixar claramente seus limites, tudo tem que girar em torno do Eu.
 Acontece que o sujeito narcisista-depressivo está esgotado e fatigado em si mesmo. Como isso é possível? Byung-Chul Han diz que o corpo, com seu valor de exposição, equivale a uma mercadoria. Não há nenhuma ‘personalidade’ sexual. Se o outro se percebe como um objeto sexual, se desfaz aquela ‘distância original’ que impede que o outro se coisifique como um objeto.
Pelos meios de comunicação digitais, tentamos destruir as distâncias frente ao outro. Onde tudo é possível... não há amor como ferida e paixão. O amor e a sexualidade têm um preço. Suprime-se um desejo dirigido ao ausente. Aí onde Eros começa a agonizar.
A ética de Eros certamente não contempla os abismos de um erotismo que se manifesta como excesso e loucura, mas chama a atenção com insistência para a negação do outro, que está em vias de desaparecer em uma sociedade que se mostra cada vez mais exibicionista.
Byung-Chul Han fala de um amor domesticado que serve como fórmula para o consumo, como um produto sem atrevimento, sem excessos. Não há transcendência e nem transgressão. Somos sujeitos incapazes de concluir a vida. As imagens pornôs, por exemplo, mostram uma mera vida exposta. O pornô é a negação de Eros. Aniquila a sexualidade em si mesma. O obsceno no pornô não consiste no excesso de sexo, já que ali não há sexo. A sexualidade não está armazenada nessa ‘razão pura’. Para o filósofo, “a transformação do mundo em pornô se realiza com a sua profanação”.
Essa profanação se materializa com a desritualização e dessacralização. A ‘cara’ pornográfica não expressa nada, não há expressividade e mistério. A imaginação de internet parte de uma acumulação de atributos, mais do que uma visão global do objeto e, nesta configuração específica, as pessoas dispõem de menos dados, parecem menos capazes de idealizar. Sua imaginação esta determinada pelo consumo.
Os novos meios de comunicação não dão precisamente a fantasia. Mas, uma grande quantidade de informações, sobretudo visuais.  A hipervisibilidade não é vantajosa para a imaginação. Assim, o pornô, que de certo modo leva ao máximo a informação visual, destrói a fantasia erótica.
Platão disse que Eros se dirige a alma e tem poder sobre todas as suas partes: desejo (epithymia), valentia (thymos) e razão (logos). Cada parte da alma tem sua própria experiência do prazer e interpreta o belo de forma própria em cada caso. Essas três características agem articuladas. Na sociedade do consumo essa balança desequilibra pelas práticas de exposição e narcísicas. Vemos o fim da felicidade amorosa com uma prova de que o tempo pode abrigar a eternidade.

Eros agoniza em praça pública!!

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